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Corpo dúbio | Junho de 2010
por Bruno Moreschi (*)

Há pelo menos duas maneiras de enxergar o conjunto de oito desenhos apresentados por Marcia de Moraes na exposição Personne. Uma delas é a surpresa de quem ainda desconhece o domínio de composição dessa jovem artista plástica paulista de 29 anos. Outra vem de quem já conhece sua trajetória. Marcia mudou acentuadamente as cores de seus trabalhos.
Até pouco tempo, a artista optava por uma paleta de cores claras para preencher formas confusas. Quase sempre, o resultado eram trabalhos de forte apelo visual, mas também serenos.
Marcia acrescentou mais um elemento nesse painel contraditório. Com a genuína intenção de agregar uma nova problemática a suas composições, a artista agora utiliza cores mais chamativas. Mas não tirou o bege, o azul claro, o vermelho escuro de trabalhos anteriores.
Em Rayuela, o amarelo claro é agora vizinho do alaranjado quase fosforescente. Pequenas manchas de verde limão aparecem numa das laterais de La vida és sueño II. Marcia quis o desafio e conseguiu resolvê-lo: criar uma relação de igualdade entre essas novas cores e as que já usava.
Os desenhos de Marcia suscitam questões relacionadas a composição pictórica mais tradicional, mas também a algo mais experimental teorizado por Hélio Oiticica. Em 7 de setembro de 1960, o artista carioca anotou em seu caderno repleto de textos curtos: “Quando a cor não está submetida ao retângulo nem a qualquer representação sobre este retângulo, ela tende a se ‘corporificar’; tornar-se temporal, cria sua própria estrutura, que a obra passa então a ser o corpo da cor”.
O novos desenhos de Marcia continuam quietos em retângulos de fundo branco. Ainda remetem a suspiros, a ventos calmos e a uma geléia que derrete aos poucos. Todavia, mesmo dentro de seus limites e do silêncio, há neles uma relativa experimentação, uma corporificação semelhante a que Oiticica teorizou, mas ainda bidimensional.
Costumeiramente, as obras de Marcia possuem títulos de obras literárias como El amor en los tiempos del cólera, de Gabriel García Márquez, e O Vermelho e o Negro, de Stendhal. Muitos podem criar relações entre os enredos desses livros e os desenhos relacionados a eles. A meu ver, são relações que só reduzem uma das marcas mais interessante do trabalho de Marcia: a assumida abstração, que se garante sem um pé nessa realidade chapada que vivemos. Não a toa, a artista costuma repetir: “Desenho aquilo que nunca vi.”
Dubiedade é uma palavra que funciona para descrever seus desenhos. Nas escolhas artísticas de Marcia, o que é forma, riscada fortemente com grafite, escorrega pelo papel. Marcia busca contradições em algum lugar desconhecido e as encaixa em suas obras. Mesmo que o encaixe seja relativo. Como seus desenhos, repletos de espaços em branco.

(*) Bruno Moreschi é jornalista especializado em artes plásticas.

Personne | Marcia de Moraes | Project Room
Galeria Leme, São Paulo
From July 27 to Sept 11, 2010

By Bruno Moreschi (*)



There are at least two ways of seeing the set of 8 drawings presented by Marcia de Moraes at the show Personne. The first way is the surprise of one who is not familiar with the domain of composition of this 29 years old young artist from São Paulo. The other comes from one who already knows her trajectory. Marcia has accentually changed the colors of her works.

Until recently, the artist had been showing a palette of light colors to fill undefined shapes. Nearly always, the result was works with a strong visual appeal but also serene.

Marcia added another element to this contradictory panel. With the genuine intention of adding a new problematic to her compositions, the artist now uses more flashy/striking colours. But she didn’t take the beige, the light blue, the dark red of former works.

On Rayuela, the light yellow is now closer to the almost fluorescent orange. Small patches of lime green appear on one side of La vida és sueño II. Marcia sought a challenge and succeeded in solving it: to create an equal relationship between these new colors and the ones she already used.

Marcia’s drawings raise issues related to more traditional pictorial composition, but also to something more experimental theorized by Helio Oiticica. On September 7, 1960, the Carioca artist noted in his notebook full of short texts: “When the color is not subjected to the rectangle or any representation on this rectangle, it tends to ’embody’; become temporal, creates its own structure, the work then becomes the body of color.”

Marcia’s new drawings remain quiet on white background rectangles. Still referring to sighs, calm winds and a jelly that melts slowly. However, even within its limits and silence, there is in them a sort of experimentation, an embodiment similar to the one Oiticica theorized, but still two-dimensional.

Usually, the works by Marcia have titles of literary works such as El amor en los tiempos del Cólera, by Gabriel García Márquez, and Le Rouge et le Noir, by Stendhal. Many can create relations between the storylines of these books and drawings related to them. In my view, they are relationships that only reduce one of the most interesting marks in Marcia’s work: the assumed abstraction, which ensures itself without any foot in this flat reality we live in. Not without a reason, the artist often repeats: “I draw what I have never seen”.

Dubiousness is a word that works to describe her drawings. In Marcia’s artistic choices, what is shape/form, heavily streaked with graffiti, slides through the paper. Marcia searches for contradictions somewhere unknown and places those contradictions into her works. Even if their arrangement is relative, like her drawings, filled with blank spaces.

Marcia de Moraes (São Carlos, 1981, lives and works in São Paulo) is a bachelor and master of fine arts at Unicamp. Since 2008 she is part of the Ateliê Fidalga in São Paulo. In 2009, she had her first solo exhibition at the Centro Universitario Maria Antonia, also in São Paulo. The artist regularly is in group shows in Brazil and abroad, among which stand out: Ateliê Fidalga no Paço das Artes, São Paulo, 2010, Edital de Exposições do MARP, Museu de Arte de Ribeirão Preto, 2009. In 2010 she will take part of the fifth edition of the show Paralela, A Contemplação do Mundo, and will do a residency at La Cour Dieu in La Roche, France.

(*) Bruno Moreschi is a journalist specialized in fine arts.

 

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.
(Exhibition View Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil.. Photo: Ding Musa.)

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

Vista Geral da exposição Personne, Galeria Leme | Studio, 2010, São Paulo, Brasil. Foto: Ding Musa.

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